quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Clarice

 


Eu escrevi, e era um segredo. Eu não tinha que dizer pra ninguém e nesse momento eu não ia. Eu vi Clarice e ela disse que estava morta. Eu me senti morta também, entendi Clarice. Mas esse tempo todo eu estava morta querendo viver. Passei anos escrevendo sem terminar. Escrevia e terminava também, uns carocinhos que eu chamo de poeminha. 

Nesse ponto da minha morte eu nem lembro mais se em algum momento da vida eu terminei algo querendo terminar... Algo que não fosse caroço. Teve uns poemas e teve uns contos... Mas eu queria escrever um livro. Um livro todo, pensado pra ser livro. Eu escrevo, mas nunca escrevi um livro.

Parece que eu estava amarrada, que tinha esquecido que preciso escrever pra viver, e Clarice me lembrou. Tão cansada, tadinha. Presa no vídeo. Presa no vídeo pra sempre, e me libertou.

Escrevo por escrever finalmente... Não que precise fazer algo com o escrito. Parece que vi alguém do meu planeta: Era Clarice. Já me disseram antes que eu parecia com ela escrevendo. Achei que era mentira, logo eu? Não, não sou não. Eu nem escrevo. Eu leio. Vou ler Clarice.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Não se chamava Bullying





Eu procurei você, e você estava tão diferente... Falava de empatia, de abraçar o mundo inteiro, de defender os fracos e oprimidos. Não parecia a mesma pessoa que me machucou por anos seguidos sem que eu te fizesse nada ou oferecesse alguma ameaça, parecia a pessoa boa que sempre me disseram que você era, e eu quis acreditar que era verdade, que você finalmente tinha aniquilado aquele lado seu que me marcou de um jeito tão negativo. Sim, você era só uma criança quando o alvo era eu, mas já tinha suas noções de certo e errado quando te vi outra vez sendo cruel com pessoas que não mereciam crueldade. Muito além de ferir os outros, você contaminava suas amizades, elas absorviam aquela sua maldade, eu vi! Eu vi acontecer e vi elas se tornarem pessoas boas longe de você. Eu era louca? Só eu via aquilo acontecer? Você sempre teve esse jeito que conquista os outros, se era você não era possível ser algo ruim. Por muito tempo achei mesmo que o problema estava em mim, que eu de alguma forma merecia que você tirasse tudo que eu tinha. Eu tentei jogar o teu jogo quando apanhei o suficiente pra saber me defender, mas aquilo nunca me vestiu bem. Não importava o quanto eu tentasse, era impossível pra mim sentir o prazer que você sentia naquilo. Hoje somos pessoas adultas, e mesmo olhando pra trás e te vendo pequena, pestinha, algo que hoje eu me livraria como me livro de um mosquito zunindo no ouvido, ainda dói. Fizemos parte de um sistema que hoje eu vejo se repetir e posso explicar. Uma criança viciada em poder e outra mais fraca, alvo fácil pra o exercício de dominação. Não se engane, não tenha pena de mim, não pense que isso me vem a memória com frequência. Eu já estive muito pior, das amarras que você pôs em mim quando eu era mais nova só restam as cicatrizes, poucas sequelas. Isso esteve, de certa forma, como uma bala alojada no corpo. O buraco fechou, mas ela estava ali, impedindo de sarar por completo... Este texto é minha cirurgia de remoção. Nas memórias da minha infância vai estar a cicatriz, mas lembrar não vai mais doer. Ainda não te culpo, mas já não me culpo também. Não é culpa de ninguém, foi como tinha que ser, por acaso. o acaso me fez um favor, me mostrou os dois lados da face humana na tua face antes mesmo que eu pudesse entender que essa tua imagem se refletia no mundo inteiro e até em mim. Por conta disso eu já era adulta quando criança, como eu vejo agora que você também era. E vendo isso eu não resisto em me perguntar o por quê. Eu quero abraçar aquela criança que era você, entender o que te fazia ser daquele jeito. E você? Eu procurei você e você parecia diferente. Será que você abraçaria a criança que fui eu e diria que tudo ficaria bem?

sexta-feira, 27 de maio de 2016

De quem não é a culpa



Tem um buraco no meu peito. Foi posto lá pelos sonhos que eu não tive, pela dor que doeu em mim, pela liberdade que me foi tomada. Você pode sentir se quiser, toque e sinta, cuidado pra não me atravessar. Há quem diga que a culpa foi minha, há quem diga que eu deixei levarem esse pedaço que falta, há quem diga que já sarou por não me ver chorar todo dia. Há quem diga que eu faço drama, e (acredite ou não) há quem diga que eu mereci. Que tola, não é? Não devia ter escolhido nascer mulher.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Ela estava dentro do meu olho, e ela queria falar


AVISO: Este texto não foi feito para uma leitura superficial, nem tampouco é um texto como qualquer outro neste blog. Merece especial interpretação.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Ela pela Janela: Era mais do que parecia


Em meio aos outros, sentia-se num deserto. Gostava de sorrisos, gostava de vozes, gostava de abraços, mas não trocaria seus momentos de paz por nenhuma dessas coisas. A chuva do lado de fora empalidecia as luzes do mundo, mas do lado de dentro ela estava acesa como todas as palavras que aqueciam seu coração. Parecia triste, mas não estava. Parecia vazia, mas transbordava. Parecia sozinha, mas era mais do que parecia.

(Ariel Almeida)

domingo, 22 de maio de 2016

Desenfurno



Gosto de viver apegada a uma subjetividade que me deixa confortável, que me abraça e aceita tudo que eu digo, mas nesses dias desenfurnei. Não que tenha resolvido fazer isso de bom grado, na verdade aconteceu sem aviso prévio a mim mesma. As coisas agora parecem muito mais físicas, existentes, materiais, palpáveis, e não consigo me decidir se isso é bom ou se está me matando. Eu sempre reclamei à meus botões que não tinha um bom controle da minha vida, que sentia ela escorrer pra longe sem que eu pudesse fazer nada, mas agora que eu sei exatamente o que tenho sido, não pareço tão feliz quanto pensava que estaria. Não sei se você pode entender e acho que não, mas já parou pra pensar em como sempre estamos insatisfeitos com o que a gente tem? Sempre dispostos a dizer que a vida é uma merda, sempre ansiosos em diagnosticar algo em nós mesmos e nos outros pra nos agarrarmos a rótulos que nos deem uma falsa sensação de segurança quando a verdade é que a segurança não há, nunca houve. O que há é essa nossa loucura de não saber amar sem dominar, sem dizer a hora de voltar, sem precisar transformar tudo em objeto. Vivemos no medo e nos alimentamos dele, não sabemos fazer de outra forma por que temos medo de tentar, e quanto mais esclarecido você se acha, mais medo você produz e consome. Acho que foi por isso que desenfurnei... Ou será que sempre fui desenfurnada?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Bagunça



No blog do meu pai tem uma coleção de "1ºs de agosto" que de vez em quando eu visito. Choro toda vez. Procuro não passear muito pelas outras postagens (as vezes tem mulher pelada ou semi-nua), mas essa coleção eu amo. Não faz muito tempo que eu venho fazendo isso, e me sinto culpada, com aquela sensação de ter perdido algo valioso. Foi tempo que eu perdi, e só agora eu vejo que ele estava certo sobre tantas coisas, sendo esta uma delas. "Não somos pra sempre, filha. Gente da tua idade acha que é imortal". Verdade pai, o tempo voa, e a gente não quer perceber que a vida é uma corrida. Mas eu percebi e só queria que o senhor soubesse que cada vez que eu vou ver esta tua coleção eu choro de saudade. Saudade do tempo que as coisas eram (ou pareciam) simples, choro porque quero voltar pra quando o tempo parecia infinito. Eu tinha tanta certeza que ainda nos veríamos milhares de vezes, nos abraçaríamos tanto quanto quiséssemos, mas foram tantos abraços que eu perdi, foi tanta burrada que eu cometi, o amor era o mesmo, mas por anos nosso contato foi esfriando, e eu choro por quê quero de volta todos esses abraços. Parece que eu pisquei e roubaram de mim tanta coisa! Ou pior, eu mesma me privei disso. Eu tô confusa pai, tá tudo acontecendo rápido demais. Eu queria que este texto fosse bonitinho, que a pontuação fosse perfeita, mas a emoção não deixa. Não vamos falar sobre isso, eu tenho medo, embora não saiba bem do que. Só obrigada por que, de verdade, do fundo do coração, você é o melhor pai do mundo, o melhor. E desculpa por não ter te abraçado tanto quanto devia, desculpa por que o tempo passa e continua passando sem que eu saiba administrar, desculpa, você merecia uma filha melhor, mas essa que o senhor tem te ama de verdade.